Quando o assunto é construção civil, o atraso na entrega da obra é o assunto que mais chama atenção, juntamente com a cobrança de juros e correções ilegais.
Esta prática cresceu no mercado imobiliário devido, em grande parte, à grande procura de imóveis e as condições similares oferecidas por todas as construtoras. Com o aumento da concorrência, a promessa de entrega das chaves de forma célere se tornou um excelente meio de atrair os clientes. No entanto, a falta de recursos financeiros para acelerar as obras e o orçamento apertado das empresas comprometem o prazo estabelecido.
Assim, muitas vezes, o comprador desiste do negócio, mesmo depois de ter firmado um contrato com a construtora, ocorrendo assim o distrato imobiliário, que nada mais é do que o desfazimento do contrato em razão da desistência de compra do imóvel pelo consumidor, cujo um dos principais motivos é o atraso na entrega da obra.
Importante pontuar que existem duas maneiras para o comprador de uma propriedade promover a rescisão do contrato do imóvel, a fim de devolvê-lo ao incorporador e reaver os valores pagos, são elas: distrato imobiliário extrajudicial e distrato imobiliário judicial.
O distrato imobiliário extrajudicial ocorre quando o comprador e o incorporador, de forma amigável, chegam a um acordo para a desistência de compra do imóvel. Nesse caso, as partes irão livremente estabelecer o valor a ser devolvido ao consumidor, que pode ser total ou parcial. Já o distrato imobiliário judicial ocorre quando não há acordo entre o comprador e o incorporador para a desistência de compra, assim, o conflito de interesses será solucionado pelo Poder Judiciário, que decidirá sobre a rescisão contratual e o valor a ser devolvido ao comprador, total ou parcialmente, a depender do motivo da desistência de compra do imóvel.
Distrato por culpa da incorporadora
No caso de distrato de contrato por culpa da incorporadora, seja pelo atraso na entrega do imóvel ou por qualquer outro descumprimento contratual, a jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem como do STJ, entendem que deve ser restituído ao comprador 100% do valor pago, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, incluindo-se a comissão de corretagem:
0033582-19.2015.8.19.0209 – APELAÇÃO. Des(a). MARIANNA FUX – Julgamento: 24/01/2018 – VIGÉSIMA QUINTA C MARA CÍVEL CONSUMIDOR
AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.ALEGAÇÃO DE ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL DE 4 MESES E DEMORA EM FORNECER A DOCUMENTAÇÃO SOLICITADA PELA FINANCIADORA, O QUE GEROU ACRÉSCIMO EXCESSIVO NO SALDO DEVEDOR, INVIABILIZANDO O FINANCIAMENTO. SENTENÇA PROLATADA PARA DEFERIR A TUTELA, DETERMINANDO QUE A RÉ SE ABSTENHA DE NEGATIVAR OS DADOS DOS AUTORES, E DAR PARCIAL PROCEDÊNCIA AOS PEDIDOS AUTORAIS PARA DECLARAR RESCINDIDA A AVENÇA CONDENAR A RÉ A DEVOLVER TODOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS REFERENTES AOS GASTOS COM A COMPRA, CORRETAGEM, LIGAÇÕES DEFINITIVAS E CONDOMÍNIO E AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO VALOR DE R$ 9.000,00.STJ – Resp: 1599511 SP 2016/0129715-8 – Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO – Julgamento: 24/08/2016 – SEGUNDA SEÇÃO – Publicação: 06/09/2016
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO E ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA. I – TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1 Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. 1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. II – CASO CONCRETO: 2.1. Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a validade da cláusula prevista no contrato acerca da transferência desse encargo ao consumidor. Aplicação da tese 1.1 2.2 Abusividade da cobrança por serviço de assessoria imobiliária, mantendo-se a procedência do pedido de restituição. Aplicação da tese 1.2 III – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.“SÚMULA 98 do TJ/RJ – Na ação de rescisão de negócio jurídico, por culpa do vendedor, cumulada com restituição de parcelas pagas, descabe o abatimento de valores referentes à taxa de administração do empreendimento frustrado, mesmo que destinadas ao pagamento de comissões, intermediações e outras despesas de comercialização, devendo a devolução efetivada ao comprador ser plena, de modo a assegurar-lhe o exato recebimento de tudo o que despendeu.”
“SÚMULA 543 do STJ – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”
Distrato por culpa do comprador
Por outro lado, caso não haja atraso na entrega da obra, e o distrato de contrato se der exclusivamente em razão da desistência de compra do imóvel pelo comprador, seja pela perda do interesse ou por dificuldade em pagar as prestações, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a incorporadora poderá reter até 25 % do valor já pago pelo consumidor, sendo que esse valor deverá ser devolvido imediatamente em única parcela, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação:
STJ – REsp: 907856 DF 2006/0263272-1, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/06/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:01/07/2008.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE LEGALIDADE DE CLÁUSULA EM APELAÇÃO SEM QUE A QUESTÃO TENHA SIDO APRESENTADA EM RECONVENÇÃO. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DEDUZIDA COM MESMO EFEITO PRÁTICO EM CONTESTAÇÃO. INEXECUÇÃO DO CONTRATO. CONFUSÃO ENTRE ARRAS E CLÁUSULA PENAL. AFASTAMENTO DAS ARRAS. CLÁUSULA PENAL. BASE DE CÁLCULO. MULTA CONTRATUAL. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL A SER RETIDO PELO PROMITENTE VENDEDOR. I – Se o autor postula na inicial a declaração de nulidade de cláusula, por considerá-la abusiva, ao se contrapor a esse pedido por meio de contestação, está o réu, por imperativo de lógica, a defender sua legalidade e, por conseguinte, a incolumidade do contrato, sendo despiciendo que o faça apenas por meio de reconvenção. Nesse passo, reconhecida a abusividade da cláusula por sentença, poderá a discussão ser devolvida ao conhecimento do Tribunal por meio da apelação. Entendimento que se harmoniza com precedente desta Corte no sentido que a reconvenção será incabível quando a matéria puder ser alegada com idêntico efeito prático em sede de contestação, até porque, em tal hipótese, ela se mostra absolutamente desnecessária, afrontando inclusive os próprios princípios que a justificam, da celeridade e economia processual. (MC 12.809/RS, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, DJ 10.12.07) II – Pactuada a venda de imóvel com o pagamento de arras confirmatórias como sinal – que têm a função apenas de assegurar o negócio jurídico -, com o seu desfazimento, a restituição das arras é de rigor, sob pena de se criar vantagem exagerada em favor do vendedor. III – É abusiva a cláusula que fixa a multa pelo descumprimento do contrato com base não no valor das prestações pagas, mas, no valor do imóvel, onerando demasiadamente o devedor. IV – Em caso de resilição unilateral do compromisso de compra e venda, por iniciativa do devedor, que não reúne mais condições econômicas de suportar o pagamento das prestações, é lícito ao credor reter parte das parcelas pagas, a título de ressarcimento pelos custos operacionais da contratação. V – Majoração desse percentual de 10% para 25% das prestações pagas que se impõe, em consonância com a jurisprudência do Tribunal. Recurso especial parcialmente provido.
Cumpre observar que a grande maioria dos contratos de compra e venda de imóvel na planta possui cláusula relatando que o comprador não poderá desistir da aquisição, ou seja, não poderá pedir a rescisão contratual. Essa prática é considerada abusiva, e não impede que o consumidor opte pela desistência de compra do imóvel, seja pela sua vontade, independente do motivo, ou por culpa da incorporadora.
Tendo em vista a necessidade de criar segurança jurídica para o mercado imobiliário, em 28.12.2018 entrou em vigor a lei 13.786/18 (Lei do Distrato Imobiliário), que disciplina o desfazimento de contrato de imóvel comprado na planta, tanto por culpa do incorporador quanto por culpa do comprador. Nessa lei, estipulou-se a pena convencional de 50%, em casos de regime de afetação, que é a maioria, da quantia paga pelo comprador para aquisição do imóvel. Assim, quando o distrato imobiliário se der por desistência ou culpa do adquirente, o incorporador lhe devolverá somente 50% do valor investido, de forma corrigida, em até 30 (trinta) dias após o habite-se. Também se estipulou que, se o distrato imobiliário ocorrer por culpa da incorporadora, tal como pelo atraso na entrega da obra, ao comprador deverá ser devolvido a integralidade de todos os valores pagos, além da multa estabelecida:
“Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.”E
“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.”
No entanto, segundo entendimento majoritário, vale destacar que essa nova lei só poderá atingir contratos celebrados após a sua entrada em vigor (28.12.2018), de forma que os contratos anteriores e seus efeitos futuros não serão atingidos. Assim, se um consumidor incorrer em inadimplência em relação a um contrato assinado antes de 28.12.2018, o caso será disciplinado pela legislação anterior.