A resposta para esse questionamento é sim, existe a possibilidade de rescisão de contrato de compra e venda.
Muitas vezes, o comprador desiste do negócio, mesmo depois de ter firmado um contrato com a construtora. Assim, caracteriza-se o distrato imobiliário, que nada mais é do que o desfazimento do contrato em razão da desistência de compra do imóvel pelo consumidor, cujos principais motivos são o atraso na entrega da obra e a cobrança de juros e correções ilegais.
O que fomentou esta prática no mercado imobiliário foi, em grande parte, a procura de imóveis e as condições similares oferecidas por todas as construtoras. Desta forma, com o aumento da concorrência, a promessa de entrega das chaves de forma célere se tornou um excelente meio de atrair os clientes. No entanto, o orçamento apertado das empresas compromete o prazo prometido.
Importante pontuar que existem duas maneiras para o adquirente de uma propriedade promover a rescisão do contrato do imóvel, a fim de devolvê-lo ao incorporador e reaver os valores pagos, são elas: distrato imobiliário extrajudicial e distrato imobiliário judicial.
Distrato imobiliário extrajudicial
O distrato imobiliário extrajudicial ocorre quando o comprador e o incorporador, de forma amigável, chegam a um acordo para a desistência da compra do imóvel. Nesse caso, as partes irão livremente estabelecer o valor a ser devolvido ao consumidor, que pode ser total ou parcial.
Distrato imobiliário judicial
Já o distrato imobiliário judicial, ocorre quando não há acordo entre o comprador e o incorporador para a desistência de compra, assim, o conflito de interesses será solucionado pelo Poder Judiciário, que decidirá sobre a rescisão contratual e o valor a ser devolvido ao comprador, total ou parcialmente, a depender do motivo da desistência de compra do imóvel.
No caso de distrato de contrato por culpa da incorporadora, seja pelo atraso na entrega do imóvel ou por qualquer outro descumprimento contratual, a jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem como do STJ, entendem que deve ser restituído ao comprador 100% do valor pago, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, incluindo-se a comissão de corretagem:
0069350-43.2018.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). MARILIA DE CASTRO NEVES – Julgamento: 14/08/2019 – VIGÉSIMA C MARA CÍVEL.
CÍVIL E CONSUMIDOR. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DO PROMITENTE VENDEDOR. DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR À DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. SÚMULA Nº 543 DO STJ. COMISSÃO DE CORRETAGEM. SUMULA Nº 98 TJRJ. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA CITAÇÃO. ART. 405 DO CÓDIGO CIVIL. DANO MORAL IN RE IPSA. VERBA INDENIZATÓRIA ADEQUADA AO CASO.
STJ – AgInt no AREsp:1526322 PR 2019/0176754-0 – Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO – Julgamento: 04/03/2020 – Publicação: 06/03/2020
PROCESSUAL CIVIL(CPC/15). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE VERIFICADA. RECONSIDERAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO. RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM AO ADQUIRENTE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO QUANTO AO VALOR. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E TESE FIRMADA EM REPETITIVO(939). REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 138 E 171,II, CC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.
“SÚMULA 98 do TJ/RJ – Na ação de rescisão de negócio jurídico, por culpa do vendedor, cumulada com restituição de parcelas pagas, descabe o abatimento de valores referentes à taxa de administração do empreendimento frustrado, mesmo que destinadas ao pagamento de comissões, intermediações e outras despesas de comercialização, devendo a devolução efetivada ao comprador ser plena, de modo a assegurar-lhe o exato recebimento de tudo o que despendeu.”
“SÚMULA 543 do STJ – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”
Por outro lado, caso não haja atraso da obra, e o distrato de contrato se der exclusivamente em razão da desistência de compra do imóvel pelo comprador, seja pela perda do interesse ou por dificuldade em pagar as prestações, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a incorporadora poderá reter até 25% do valor já pago pelo consumidor, sendo que esse valor deverá ser devolvido imediatamente em única parcela, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação:
STJ – AgInt no REsp: 1830612 SP 2019/0231328-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Julgamento: – 17/02/2020 – Publicação: DJ 03/03/2020
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DESISTÊNCIA PELO PROMITENTE COMPRADOR. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. PERCENTUAL DE RETENÇÃO. 1. Esta Corte passou adotar, como padrão-base de cláusula penal em contrato de compra e venda de imóvel na planta, a retenção de 25% das parcelas desembolsadas pelo comprador, em casos de rescisão por iniciativa do comprador, como forma de compensação dos custos administrativos do empreendimento. 2. Possibilidade de aplicação do percentual de 20% (vinte por cento) previsto contratualmente para retenção das parcelas pagas pelo comprador 3. Agravo interno conhecido para reconsiderar a decisão e dar provimento ao recurso especial em maior extensão.
Cumpre observar que a grande maioria dos contratos de compra e venda de imóvel na planta possui cláusula determinando que o comprador não poderá desistir da aquisição, ou seja, não poderá pedir a rescisão contratual. Essa cláusula é considerada abusiva, e não impede que o consumidor opte pela desistência de compra do imóvel, seja por sua vontade, independentemente do motivo, ou por culpa da incorporadora.
Diante da necessidade de criar segurança jurídica para o mercado imobiliário, em 28.12.2018 entrou em vigor a lei 13.786/18 (Lei do Distrato Imobiliário), que disciplina o desfazimento de contrato de imóvel comprado na planta, tanto por culpa do incorporador quanto por culpa do comprador.
Nessa lei, estipulou-se a pena convencional de 50%, em casos de regime de afetação, que são a maioria, da quantia paga pelo comprador para aquisição do imóvel. Assim, quando o distrato imobiliário se der por desistência ou culpa do adquirente, o incorporador lhe devolverá somente 50% do valor investido, de forma corrigida, em até 30 (trinta) dias após o habite-se. A referida lei também estipulou que, se o distrato imobiliário ocorrer por culpa da incorporadora, em caso de atraso na entrega do imóvel por exemplo, ao comprador deverá ser devolvido a integralidade de todos os valores pagos, além da multa estabelecida:
“Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:
II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.”
E
“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
§ 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.”
Segundo entendimento majoritário quanto à aplicação da Lei do Distrato, vale destacar que a mesma só poderá atingir contratos celebrados após a sua entrada em vigor (28.12.2018), de forma que os contratos anteriores e seus efeitos futuros não serão atingidos. Assim, caso o consumidor incorra em inadimplência em relação a um contrato assinado antes da entrada em vigor da lei, isto é, antes de 28.12.2018, o mesmo será disciplinado pela legislação anterior.